Processos de um silêncio
A matéria para as séries que compõem esta exposição são os Brasis que começaram a correr, fortes, em mim.
Surgiram pelas mãos de Madrinha, a irmã de meu pai. Foi ela que me apresentou alegrias e me ensinou a seguir o som dos tambores. Ali, eu era criança e passei a acreditar em divindades que comem, dançam, entram na roda, entram na gente. O semba calunga fez samba dentro do meu peito – parafraseio, aqui, o poeta Capinan. Aquilo ficou em mim.
Foi assim que meus olhos se achegaram. Depois, entraram para o xirê e atravessaram minha pesquisa artística neste Brasil, marcado pelo racismo estrutural, pelos intolerantes capazes até de golpear espaços sagrados e de assassinar pessoas que preservam a fortuna das profundas raízes negras fincadas na identidade brasileira.
De fora, vejo toda gente chegando para celebrar a presença de nossos ascendentes míticos que reforça a ancestralidade preta em territórios de resistência política. De dentro, estou com os pés no chão, com as saias e os saiotes engomados das mulheres, com a comida que sai cheirosa e pelando da cozinha; estou emocionada, ao batuque dos instrumentistas.
Do canto do barracão assisto à expressão de axé. Do centro da roda, participo dela. Das imagens, às vezes elas escapam do ver consciente – inconsciência como a do transe, para além da cena religiosa: imagens são notas que resgatam belezas em cicatrizes, aquelas que só conhece quem sabe que é preciso rezar bem o feijão fradinho para fazer um bom acarajé.